A comunidade LGBTQIAP+ está liderando a luta contra as mudanças climáticas
Crédito: The New York Times
Por Amanda Legórburu, pesquisadora da EmpoderaClima
*Significado de LGBTQIAP+ (Lésbica, gay, bissexual, transgênero, queer, intersexual, assexual, pansexual, mais, comunidade)
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (2023), muitos dos impactos derivados das mudanças climáticas são inevitáveis ou irreparáveis. Essas mudanças radicais podem ser limitadas se forem tomadas ações urgentes, mas o aquecimento global está aqui para ficar - e, infelizmente, continuará aumentando. Na EmpoderaClima, nós reconhecemos os efeitos desproporcionais que as mudanças climáticas causam em grupos marginalizados, incluindo a comunidade LGBTQIAP+, mas também reconhecemos e celebramos seu protagonismo na luta contra a crise climática.
A comunidade LGBTQIAP+, na sua essência, sempre esteve na linha de frente da justiça ambiental, como pode ser visto em sua bandeira, onde o verde do arco-íris simboliza a conexão com a natureza.
Destacar os esforços da comunidade LGBTQIAP+ por políticas climáticas justas é tão importante quanto entender o porquê dela fazer parte do ativismo que protesta contra a injustiça climática. Grande parte da comunidade é desproporcionalmente afetada pelas mudanças climáticas e desastres naturais, especialmente aquelas com identidades interseccionais, como as pessoas negras e indígenas queer. Elas são mais propensas a enfrentar a pobreza, discriminação e violência, o que limita seu acesso a recursos em tempos de necessidade - como durante desastres climáticos.
O contexto por trás dos desafios climáticos LGBTQIAP+
Existem muitos ativistas LGBTQIAP+ ao redor do mundo trabalhando em prol de um futuro mais verde para todos. Enquanto o ativismo deles pode não ser especificamente direcionado à comunidade LGBTQIAP+, ele faz parte do movimento, e portanto o representa de alguma forma. Interseccionalidade é, também, uma parte chave da discussão. Pode-se entender isso como a natureza interconectada das categorias sociais (raça, classe, gênero etc.), e ela cria sistemas de discriminação ou desvantagem sobrepostos e interdependentes. É crucial reconhecer e destacar os esforços de ativistas queer para lutarmos por um futuro sustentável. Se compreendermos e apreciarmos uns aos outros, será mais fácil de alcançar justiça climática.
Tomando medidas
Ativistas climáticas LGBTQIAP+ têm prioridades diferentes ao redor do mundo. Por exemplo, ativistas no Sul da Índia têm discutido sobre o impacto que a poluição ambiental tem sobre a população transgênera.
Existe um número significativo de indivíduos transgêneros que vivem em favelas e áreas remotas com poucos recursos e infraestrutura limitada, as quais normalmente são as áreas mais afetadas por desastres naturais. A marginalização que eles enfrentam é refletida nos desafios durante a recuperação destes eventos, já que eles são frequentemente ignorados ou são negados comida, abrigo e recursos. Por exemplo, depois do Tsunami do Oceano Índico na Índia (2004), os Aravanis, um grupo que não se identifica como masculino nem feminino, foram excluídos de abrigos temporários e até de registros de óbito oficiais.
Kalki Subramaniam, uma ativista climática de Coimbatore, é uma das muitas ativistas trans do Sul da Índia liderando ações climáticas interseccionais, até no meio de repressões políticas, retaliações religiosas e enormes desastres climáticos que continuam afetando a região. Ela participou de uma série de conversas nos EUA sobre a comunidade trans na Índia, assim como seu papel no ativismo climático. Ela fundou a Fundação Sahodari com o objetivo de empoderar a comunidade trans através de projetos criativos e oficinas sobre justiça ambiental.
Ranjita Sinha gere um abrigo para pessoas trans abandonadas em Kolkata e organiza campanhas junto de organizações privadas sobre água e sustentabilidade; e Sowndharya Gopi, uma ativista trans de Chennai, se juntou a organizações de base focadas em liderança transgênera para ações climáticas, incluindo limpeza de rios em Pollachi e operando como trabalhadores cívicos na Corporação de Chennai
Nos EUA, a situação não tem sido mais fácil para a comunidade LGBTQIAP+; a Human Rights Campaign declarou oficialmente estado de emergência para pessoas LGBTQIAP+ nos Estados Unidos. Mais de 417 projetos de lei anti-LGBT foram introduzidos no primeiro trimestre de 2023, o que torna o problema dos direitos LGBTQIAP+ ainda mais urgentes.
Tortuguita, um indígena quer e não-binário venezuelano que vivia em Geórgia, no EUA, defendia as florestas e era vocalmente adepto da não-violência. Na Geórgia, houve um aumento dos esforços a fim de defender a Floresta South River, em Atlanta, da construção de um centro de treinamento para agentes da lei. Ativistas locais estão chamando atenção para o impacto ambiental deste projeto, que está para ser construído em um dos maiores espaços verdes remanescentes de Atlanta, em uma área predominantemente negra. No conflito contra a apelidada “Cop City” (Cidade Policial, em português), Tortuguita foi baleado e morto enquanto protestava na floresta, a segunda pessoa trans morta em seis semanas no mesmo estado.
Fonte: Yale Climate Connections
Pattie Gonia é uma drag queen e influenciadora que vive nos EUA e se dedica a criar uma relação mais próxima entre a natureza e a comunidade LGBTQIAP+. Ela usa sua plataforma para mostrar atividades ao ar livre, montada ou não de drag, e defende o desmantelamento de sistemas de opressão e barreiras de acesso para grupos marginalizados.
Matcha Phorn-in é uma ativista lésbica indígena que vive na fronteira entre a Tailândia e Mianmar, onde há um conflito ativo. Ela é fundadora e diretora da Sangsan Anakot Yawachon, que defende os direitos dos povos indígenas, especialmente de indivíduos, mulheres e meninas queer. Ela liderou o movimento interseccional na região, especialmente em relação à violência de gênero, à violência contra a comunidade LGBTQIAP+ e aos direitos à terra.
Dandara Sousa de Oliveira, uma mulher trans defensora dos direitos humanos do Estado do Pará, na Amazônia brasileira, luta contra o racismo, o extermínio, a criminalização, o feminicídio e a discriminação da negritude amazônica, especialmente no contexto dos projetos de desenvolvimento capitalista. Ela é coordenadora executiva do Coletivo Amazônico LesBiTrans e secretária-geral do Movimento Negro de Altamira.
Emmanuel Peni, ativista da região costeira de Sepik, em Papua Nova Guiné, também conhecido como Manu, é o presidente da Kapul Champus, uma rede que defende os direitos de homens com sexualidades diversas e pessoas transgênero. Ele também é o coordenador do Projeto Sepik, que luta pelos direitos das pessoas que vivem na região de Sepik, um território ameaçado por um projeto de mineração.
Muitas organizações lideradas por gays também se empenham em se tornar líderes LGBTQIAP+ da Justiça Ambiental. A Queers4Climate, uma organização holandesa, clama por um planeta habitável para todas as comunidades por meio de uma lente interseccional, com o objetivo de educar aliados e representar a comunidade no movimento climático. Out for Sustainability, uma organização sem fins lucrativos sediada nos EUA, aborda os esforços climáticos com base na identidade, na sociedade e no meio ambiente, mobilizando pessoas LGBTQIAP+.
Os criadores LGBTQIAP+ têm o objetivo de trazer uma perspectiva queer para as discussões sobre o clima na cultura. O Institute of Queer Ecology (Instituto de Ecologia Queer) é um organismo colaborativo que leva ao público soluções alternativas para questões ambientais por meio de uma série de obras de arte de artistas queer, feministas e indígenas. Outro exemplo é a série de documentos Fire and Flood criada pela ativista queer Vanessa Raditz, que detalha como o furacão Maria em Porto Rico e os incêndios em Santa Rosa, ambos eventos ocorridos em 2017, afetaram as pessoas queer.
A COP27 e a comunidade LGBTQIAP+
Fonte: County10
Durante a COP27, realizada no Egito em 2022, houve uma tensão latente na presença da comunidade LGBTQIAP+. Devido às atuais políticas anti-LGBT e às violações dos direitos humanos no país anfitrião, a comunidade acabou sendo silenciada durante toda a COP.
Muitos dos ativistas LGBTQIAP+ que participaram tiveram que esconder suas identidades devido ao ambiente hostil. Big Wind Carpenter, um ativista climático indígena de dois espíritos, teve que manter sua identidade oculta enquanto estava no Egito, um país que tem um histórico de tortura e abuso de pessoas LGBTQIA+, além de prender ativistas e manifestantes.
Embora não haja casos registrados de punições desde 2015, os direitos LGBTQIAP+ nos Emirados Árabes Unidos, país anfitrião da COP28, não são de fato reconhecidos e ainda são passíveis de punições com consequências extremas, portanto, a possibilidade de mais uma vez as vozes LGBTQIAP+ serem silenciadas nesse processo é muito real.
Obviamente, é muito importante sediar esses tipos de conferências em países do Sul Global. Ainda assim, as contribuições LGBTQIAP+ para a ação climática são tão importantes quanto as de qualquer outra pessoa, portanto, considerando a interseccionalidade da questão, até que ponto é viável continuar realizando essas importantes reuniões em locais que continuam a criminalizar e punir grupos marginalizados?
Agora, mais do que nunca, devemos considerar como diferentes pessoas são afetadas por eventos climáticos extremos e como essas consequências se traduzem nas iniciativas de recuperação.
Para saber mais sobre a interseção entre a mudança climática e a comunidade LBGTQIAP+, recomendamos a leitura do artigo da EmpoderaClima sobre por que a mudança climática é uma preocupação LGBTQIA+.
