Onde estão os homens no movimento de justiça climática?

82% dos nossos seguidores no Instagram são mulheres. Isso é incrível! Mas… onde estão os homens? Vamos falar sobre isso.

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Por Luis Iglesias, Pesquisador na EmpoderaClima & Pedro Godoi, Design Officer na EmpoderaClima


A ideia para este artigo surgiu após algumas discussões do nosso time de voluntários quando percebemos que 82% dos nossos seguidores no Instagram são mulheres. Considerando que lideramos uma iniciativa focada em empoderar mulheres e jovens sobre a pauta climática, este número é incrível, mas como homens… é muito preocupante. A disparidade traz à tona um assunto pouco discutido que tentaremos explorar aqui: onde estão os homens nas pautas climáticas, ambientais e de gênero e por quê não os vemos tanto no movimento de justiça climática quanto gostaríamos?

Assim como Mary Robinson já declarou em seu livro Justiça Climática, as mudanças climáticas são um problema criado pelo homem que necessita de uma solução feminista. Ainda assim, isso não quer dizer que os homens devem fugir dessa responsabilidade; pelo contrário, eles devem ser aliados das mulheres na luta por um mundo mais igualitário e justo. Entretanto, como os números de nossas redes sociais demonstram, nós não vemos o público masculino engajado com este assunto na vida real.

Qual seria a causa disso? 

Ao que parece, existem vários fatores. 

Uma pesquisa realizada em 2011 nos Estados Unidos revelou que o maior grupo de negacionistas climáticos e maiores apoiadores de estilos de vida à base de combustíveis fósseis era composto por homens brancos conservadores. A negação e recusa de acreditar na ciência parecem estar ligados à tentativa de preservar certos valores masculinos, enquanto comportamentos favoráveis ao meio ambiente são geralmente vistos como femininos. Outra pesquisa, da organização No Meat May da Austrália, corrobora a ideia ao apontar que mais de 70% dos homens declararam preferir diminuir sua expectativa de vida por até 10 anos do que parar de consumir carne. 

A conexão entre consumo de carne e masculinidade fica ainda mais interessante quando damos uma olhada na teoria crítica de Carol J Adams no livro A Política Sexual da Carne (1990). Este livro instigante conecta a opressão das mulheres com a opressão dos animais ao examinar os papéis culturais e o significado da carne. Primeiro, ela identifica a associação entre carne e masculinidade, notando como os homens consomem carne em abundância enquanto as mulheres, devido a diversas pressões sociais, consomem menos ou deixam de consumir. Diante disso, Adams conclui que a carne é tanto um símbolo como um instrumento do patriarcado masculino, elevando o status dos homens e insultando o status das mulheres e animais.

De acordo com a cientista política Cara Daggett, a transição energética de combustíveis fósseis para energias renováveis tem também uma dimensão social que desafia a identidade masculina, principalmente de homens brancos e no poder. Ela até criou um nome para isso: petro-masculinidade. A autora do artigo Petro-masculinity: Fossil Fuels and Authoritarian Desire defende que a identidade masculina é construída ao redor de uma ordem econômica estritamente ligada aos combustíveis fósseis, o que muitas vezes leva a um estilo de vida danoso ao meio ambiente que inclui, por exemplo, alto consumo de carne e carros grandes. Com a transição energética, estes valores passam a ser questionados.

No geral, parece que comportamentos favoráveis ao meio ambiente são mais passíveis de serem associados a figuras femininas, enquanto a masculinidade é conectada à irresponsabilidade e negligência. Um relatório da Global Future descobriu que 40% das mulheres pesquisadas disseram ter mudado seu estilo de comer ou comprar roupas para ajudar a combater as mudanças climáticas - do outro lado, apenas 27% dos homens pesquisados relataram o mesmo. Um estudo conduzido pela Scientific American sugere o mesmo: “estas descobertas evidenciam como o estereótipo feminino-sustentável inibe os homens de tomarem atitudes favoráveis ao meio ambiente, e sugerem que a afirmação masculina e o branding masculino podem ser efetivos em diminuir a desigualdade de gênero no ambientalismo.”

Então, já que as mulheres são mais associadas ao meio ambiente, seria lógico pensar que elas sejam a maioria nos espaços de tomada de decisão relativos a isso, não é? Infelizmente, não é bem assim.

Enquanto questões ambientais locais costumam mostrar uma liderança feminina mais forte, os espaços internacionais ainda são dominados por homens brancos, como pôde ser visto recentemente na comissão do Reino Unido na COP26, composta exclusivamente por homens. A falta de mulheres foi criticada internacionalmente e mostra a desigualdade de gênero ainda muito presente nas decisões climáticas internacionais, o que apenas contribui para perpetuar o patriarcado. De acordo com a organização SHE Changes Climate, somente 34% dos comitês e 39% das pessoas na liderança das delegações na COP26 eram mulheres. Na Cúpula do G7 de 2021, havia apenas uma mulher entre os tomadores de decisão.

A representação acentuada de pesquisadores homens em eventos intergovernamentais, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima UNFCCC), a qual tem a responsabilidade de estabelecer políticas e negociar acordos sobre as mudanças climáticas, tem sido historicamente cega em relação ao gênero. Mulheres e grupos indígenas, por exemplo, foram forçadas a exigir por décadas que suas necessidades e realidades fossem refletidas em acordos internacionais.

Dito tudo isso, o que podemos concluir e quais ações podemos sugerir?


Parece claro para nós que para podermos combater a crise climática com eficácia, é preciso haver uma desconstrução dos atuais “valores masculinos” e do que significa ser homem. O movimento climático precisa incorporar discussões sobre a conexão entre mudanças climáticas e o patriarcado, normas de gênero e masculinidades, focando também em trazer mais jovens e homens para a pauta de justiça climática. Só assim poderemos alcançar igualdade de gênero e nos livrar de comportamentos tóxicos não só ao meio ambiente mas também a todos nós.


Como dito no relatório Homens, Masculinidades & Mudanças Climáticas: Um Artigo de Discussão, homens adultos e jovens devem ser “reconhecidos pelos papéis múltiplos que interpretam ao abordar mitigação e adaptação às mudanças climáticas e, mais importante, como eles podem ser vistos como parte da solução”. Trabalhando juntos, pessoas de todos os gêneros podem desafiar os sistemas patriarcais que perpetuam as mudanças climáticas para deixar uma sociedade mais sustentável e justa para as futuras gerações.


Fontes:

Climate change a 'man-made problem with a feminist solution' says Robinson | Reuters 

The Sexual Politics of Meat: A Feminist-Vegetarian Critical Theory

70% Of Men Say They'd Rather Cut Their Life Expectancy Than Ditch Meat - Plant Based News

Women More Likely Than Men to Believe the Science on Global Warming - Scientific American

Men Resist Green Behavior as Unmanly - Scientific American

Gender and climate change: Do female parliamentarians make difference? - ScienceDirect

Men, Masculinities & Climate Change: Discussion Paper - Promundo

Men cause more climate emissions than women, study finds | Greenhouse gas emissions | The Guardian

Threatened masculinity as an obstacle to sustainable change | Energy Transition

Is toxic masculinity the reason there are so many climate-hesitant men? | The Independent        


'World designed by men has destroyed many things,' Cop26 warned 

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